sexta-feira, 30 de março de 2012

Bebida e direção: matei minha família

"Este conto é uma ficção, porém baseada em tantos fatos reais que assistimos todos os dias"


Após quase quatro meses eu ainda sinto fortes dores na minha perna. Segundo o médico, um ano será pouco para uma recuperação total. Os pontos nas mãos e braço ainda causam dores, mas só de vez em quando.
Amanhã serei chamado novamente para prestar novos esclarecimentos. Segundo um defensor público, o julgamento poderá acontecer ainda este ano e no máximo pegarei uma pena alternativa.
Hoje tomei coragem e abri o computador para ver as fotos. Na praia de Guaiúba, em Monte Verde, Campos do Jordão, nossa, quantos momentos felizes nós vivemos, Caren, a pequena Gabriela e eu, que bela família!
Noite passada sonhei que Gabriela estava chorando no quarto, com medo do bicho papão. Acordei e levantei assustado. Demorou alguns segundos para cair a ficha, e a esta altura eu já tinha me dirigido ao seu quarto cor-de-rosa, agora apenas ocupado pelos ursos e as bonecas.
Hoje de manhã me atrevi a abrir a gaveta de Caren. Lá está tudo arrumadinho como ela sempre fez, apenas um cheirinho de mofo. Suas blusas, meias, suas calcinhas. Ainda tenho o perfume dela.
Acredito que se fosse condenado não me importaria, pois o que mais a vida me reserva, além do sofrimento e da culpa?
Era uma noite muito especial, dia 31 de dezembro de 2011. O Réveillon mas esperado dos últimos anos. No carro novinho em folha, minhas três mulheres: Caren, Gabi e minha mãe. Parimos para o Rio de Janeiro. Iríamos a Copacabana e depois para um belo hotel fazenda, mais no interior.
Antes de pegar estrada passamos na casa do meu compadre Pedro. Conversa vai, conversa vem, fim de ano, cervejas, vodca, vinho e até uísque.
Minha esposa ficou meio preocupada e queria dirigir mas eu estava "muito bem". Minha pobre mãe também implorou para que não fôssemos, mas eu não perderia aquele Réveillon por nada deste mundo.
Então saímos do bairro do Jabaquara, atravessamos algumas avenidas e por fim já estávamos na Via Dutra.
Eu estava bem, mas aquela mistureba toda me distorcia um pouco a vista. Liguei o lavador de pára-brisa e nada. Nunca usei óculos e não seria aquela noite que precisaria usar.
No caminho um guarda me parou. Notou que eu estava alterado e quis me prender, mas sabe como é, ano novo, cinquenta reais no meio do documento do carro, enfim, me mandou seguir viagem.
Depois do primeiro pedágio, ainda em São Paulo a vista escureceu ainda mais. 
Um carro me ultrapassou e fui atrás dele. Acelerei forte, uma espécie de racha.
Quando desviei para a direita bruscamente, bati em um caminhão. O carro rodou e caiu em um barranco. Fui arremessado para fora do carro, quebrando minha perna e me cortando várias partes do corpo. No carro, minhas três mulheres ficaram presas, enquanto o mesmo era tomado pelo fogo até explodir. As três morreram. Fui indiciado por homicídio culposo mas o promotor tentou de todas as formas que eu fosse acusado de crime doloso.
Hoje tudo se acabou. Voltar a trabalhar, tocar a vida, será que ainda posso? Condenação ou absolvição da justiça talvez eu consiga, mas a dor da perda e o peso da culpa por ter bebido e matado a minha família, isso vai me atormentar para sempre e se Deus quiser me castigar, me fará viver cem anos só para sofrer, condenado para sempre.



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