sábado, 24 de dezembro de 2011

A Moça


"Está muito frio e já passa das 23 horas, de uma sexta-feira do mês de agosto". O silêncio é tão devastador que chego a me sentir um único sobrevivente de uma guerra.
Cortando essa calmaria ouço o ruído do último bonde levando alguns poucos com destino ao bairro de Santana. Acredito que a passada do mesmo tenha chamando a minha atenção.
Digo isso, pois não percebi que atrás de mim se aproximara uma bela dama, muito elegante com uma sacola nas mãos e um olhar assustado. Obriguei-me a aproximar e oferecer-lhe ajuda. Ao vê-la com mangas à mostra passei-lhe o meu casaco, embora tenha oferecido de forma gestual certa resistência.
De seus lábios, tomados pelo intenso frio de São Paulo não saiam palavras, mas seu olhar insistentemente me dizia muitas coisas.
Me aproximei mais, e tentando transmitir-lhe maior segurança falei sobre mim, que estava indo para casa após um longo dia de trabalho. Mesmo assim nada ouvi de sua boca.
Quando aproximou-se o meu ônibus, disse-lhe que o pegaria. Silenciosamente e para minha surpresa ela também subiu, parecendo querer me acompanhar.
Após longos rodeios chegamos próximos à minha casa. Desci e ela novamente me acompanhou.
Fiquei sem saber o que fazer, afinal seria deselegante de minha parte convidá-la para entrar, e ao mesmo tempo não poderia deixá-la naquele frio todo.
Numa última tentativa lhe perguntei se poderia ajudá-la em mais alguma coisa. Para minha surpresa ela disse: "sim, eu quero apenas um copo com água. Moro aqui perto". Ao sair novamente no portão notei que ela não estava mais lá. Apenas meu casaco e uma pequena sacola junto a ele.
Incrivelmente a moça tinha desaparecido. Minha rua era longa e plana e estava totalmente vazia.
Após uns minutos entrei com o casaco e a sacola. Não pude resistir. Acabei abrindo-a para ver o que tinha dentro. Havia um pacotinho com algumas frutas e um pedaço de papel com um endereço: "Rua Atalanta, 4". Era a minha rua e o número era da casa de uma senhora muito conhecida.
No dia seguinte fui até esta casa e chamei. Quando aquela simpática senhora apareceu eu lhe entreguei a sacola e perguntei da moça. Muito assustada ela começou a chorar. Pelas descrições que passei sobre a garota, esta era sua filha. Há trinta anos ela tinha saído de casa para ir  à feira. Como ela era meio desligada, sua mãe repetiu várias vezes para que ela não se esquecesse de trazer e encomenda e ela, muito chateada disse que de qualquer maneira entregaria as frutas.
Antes de chegar à feira, um rapaz de bicicleta a atropelou e ela morreu após bater com a cabeça em uma pedra.
Depois disso pensei que iria enlouquecer. Saí em disparada, assustado e entrei em casa. Ouvi palmas, e como se não bastasse, a tal moça estava lá no portão me chamando. Obviamente fiquei muito mais assutado e, olhando pelo buraco da fechadura não a atendi. Quando me virei ali estava ela, dentro de casa, me olhando. Achei que ia morrer ali mesmo. Docemente ela me disse: "oi, estou aqui para te agradecer, por ter me acompanhado até aqui e principalmente por ter entregue a sacola à minha mãe". Depois ela desapareceu.
Isso me aconteceu há muito tempo e até hoje não me esqueço. Até ao túmulo da tal moça já fui levar flores, mas ela nunca mais me apareceu.

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